segunda-feira, 16 de abril de 2018

Sim, vamos falar de feminismo, e...

Eu confesso que o tópico, o pensamento feminista tem se manisfetado em mim há pouco tempo. Quero dizer, com propriedade, com questionamento, com auto-crítica. Por que sim, eu consigo ver vários, e eu digo VÁRIOS momentos da minha vida em que eu fui, e ainda sou machista. E o que eu entendo sobre essa insistência de comportamento? Há que se ter paciência para que a mudança realmente aconteça, porque tá intricado, é cultural. Pois é, amigas e amigos, se é cultural, demora mais, porque é transmitida pelo discurso sim, mas também nas sutilezas, e para combater a sutileza... haja paciência.
Devo muito da minha revolução feminista ao #ForaTemer. Mentira, não devo não, só queria aprovietar e evidenciar um pensamento que não tem nada e ao mesmo tempo tudo de belo, recatado ou do lar. Quero evidenciar que não adianta fugir, não dá para evitar um posicionamento político no palco, como já dizia (em alguns lugares e algumas muitas vezes) o tio Augusto Boal: "todo teatro é político". Não dá para dizer que o machismo não é assunto, que ele não aparece em cena, na Impro só porque temos pessoas muito conscientes e, conforme já ouvi tantas vezes, caras muito legais em cena que deixam as mulheres terem voz. Percebem? "Deixam". Ah, Luana, pára, é só modo de dizer... Bom, se a linguagem não é poder, não é cultura, e não importa, pare de ler, eu realmente não tenho nada a falar e nem você a ouvir. Ou melhor, continue lendo, vai que a minha linguagem muda alguma coisa em nós. Por que cada momento que reflito sobre o que escrever aqui e como escrever aqui, sobre o uso da linguagem, eu aprendo um pouquinho mais sobre mim.
E foi na realidade o grupo de Improviso Saída Sul e o grupo do Movimento Uma A Mais, em Brasília-DF, Brasil, que me colocaram já aos trinta anos, a discursar, a usar minha linguagem quanto ao feminismo. E assim, a perceber em mim, todo o machismo.
Eu entendo hoje a paciência da educação de uma outra maneira. E paciência não é, de forma alguma, "deixar passar", ou "não se irritar" ou ainda "não se afetar" quando alguma coisa ou alguém é machista (e leiam também: racista, homofóbica/o, etc., porque é tudo cultural também). Quer dizer, não desistir, não perder a esperança e com isso, ser uma parceira da mudança e não apenas a/o equisidor/a  dos problemas. E percebam que eu usei o "apenas" (linguagem), porque, também nos encontraremos nesse papel. Há de se perceber.

Relendo agora muito dos livros da época do mestrado sobre Impro (defendi a dissertação em fevereiro de 2013), percebo que a temática do feminismo na Impro já estava na literatura e eu não dei importância. Primeiro por conta disso, eu não dei importância. O entendimento dos meus direitos estava tão acessível para mim, tão óbvio, que não tinha paciência para discutir. Mulher que se incomodava era fraca, cheia de "mimimi", não sabia se colocar, e eu, obviamente, do meu pedestal, sabia. Eu sabia me vestir apropriadamente (percebam: "apropriadamente"), sabia dialogar com os homens (o que fazia competir com mulheres, aquele padrão velho do cinema estaduniense), etc. E com isso valorizava, sem perceber, muito mais a opinião de homens do que de mulheres, não por conta das opiniões, mas por conta do sexo. Ok, você não faz isso. Tudo bem. Mas por um segundo, se pergunte e se observe, vai que você faz de vem em quando... É difícil, tá? Dói para caramba! Mexe com as estruturas e não passa rápido. Não para de incomodar na verdade, e não vai parar enquanto as coisas não mudarem, e vai demorar... porque é cultural... e é preciso ter paciência. Mas como ouvi esses dias de Holly Laurent em outro contexto: "paciência é criatividade ativa", não tem nada de passiva. Então, fica o convite a explorar um pouquinho, quase nada, desses milênios que me vêm a incomodar.

Quando eu comecei a fazer Impro foi com a então nova formação do grupo Anônimos da Silva e nós tínhamos um único espetáculo de Teatro-Esporte: "Qual o seu pedido?" (que nasceu nos bares da capital federal com Edson Duavy e Fernando Booyou), Éramos na primeira formação 3 mulheres e 6 homens. Já na segunda temporada, só fiquei eu de mulher mais os outros 6 homens.  e assim ficamos por quase 2 anos até que eu saí (o grupo não existe mais exatamente, o espetáculo entrou para o repertório da Cia de Comédia SeteBelos, que tinha boa parte do elenco coincidindo, e hoje já tem outro espetáculo de improviso também). E eu lembro de discurssões e conversas sobre questão de "não entendo suas piadas", "você não é engraçada", "acho que isso não é apropriado para você, porque você é mulher". Pare agora, por favor e entenda que todas estas frases tem realmente um contexto de feedback, ajuda e aprimoramento. Nunca e em momento nenhum eu me senti podada, humilhada, rebaixada ou qualquer coisa do tipo. Porém... Ah, porém. Não quer dizer que nós, porque eu também estava ali a construir essas ideias, não tenhamos alimentado nossas visões machistas e externalizado-as no palco (e fora dele). Com o tempo as conversas foram mudando naturalmente, é o aprendizado que ele e o carinho trazem. Assim como as cenas. Não quero dizer que as coisas "melhoraram", mas as sutilezas apareciam para nós, algo não estava exatamente "certo". Lembro perfeitamente de uma apresentação que no jogo do "STOP" eu estava de quatro e o Fernando Booyou entrou em cena. Todas/os nós (plateia e palco) pensamos em sexo na hora. Tanto o ato sexual quanto ao fato de eu ser mulher e ele homem nesta cena e... pesou, rolou vergonha, então fizemos outra coisa, que eu nem lembro o que foi, porque o que foi importante foi o que não foi (frase mega filosófica). Foi um "ufa!" para todo mundo. Lembro de conversarmos depois sobre essas barreiras sociais do sexo e gênero. 
Mas em resumo, durante esses dois anos, o que eu percebi, na época, que afetava diretamente minha performance era que sexo e palavrões vindos de mim eram mais pesados e bem mais difíceis de serem engraçados (entendam que era um espetáculo de comédia, então este era o objetivo). O que foi bom porque me forçou a sair dessa zona "fácil" de humor (porque na verdade eu não acho nada fácil). Algum tempo depois os próprios meninos se perceberam e começaram a se provocar para outras dinâmicas de humor. Mas eu, mulher, branca de olhos verdes, cabelos longos e cacheados (só não eram loiros), o esteriótipo quase perfeito da bonequinha delicada, eu chocava mais que fazia rir. Às vezes usei isso a meu favor, mas evitei muito, e pelos piores motivos: não me era apropriado porque eu era mulher. Eu tinha plena consciência disso, percebem? Eu só não entendia o peso. 
Mas as coisas já mudaram hoje! Sim... Não... Eu celebro as vitórias, por pequenas que sejam, então, sim, já mudou muita coisa. Por começar em mim! Mas muita coisa também mudou "aparentemente" e não, palavrão não é adequado para mulheres, a gente tolera porque senão seria machismo, mas não é bonito. Entende? Ah! Pára, isso serve para homem também. Ah! Pára!

Relendo "Art By Committe - A Guide for Advanced Improvisation" de Charna Harpen e "Improvise. Scene from the onside out" de Mick Napier, reparei agora, em 2018, que haviam sessões, capítulos sobre o comportamento da mulher no palco. E antes de comentar, por alto, sobre conteúdo e forma, quero enfatizar a paciência e os contextos de época em que os livros foram escritos, respectivamente em 2006 e 2004. É muito recente, só que não. Mais de uma década e MUITO já mudou na forma de pensar e expressar sobre o assunto, linguística. Ao mesmo tempo que mudou para algumas pessoas, não para todas, então, também não mudou tanto assim. Nos textos as/os autoras/es comentam sobre as reclamações que mulheres faziam sobre perosnagens esteriotipadas, a condenação da "dona de casa" em cena, "a esposa", entre outras coisas. Os conselhos, e eu to super simplificando, hein?, giravam em torno do: não liguem para isso, isso não são realmente problemas, tudo depende do que a mulher faz com o papel, tudo é um presente... e uma palavra que achei provocativamente interessante: "integridade". Mulheres, sejam íntegras e vocês não terão problemas, aliás todas/os devemos ser... E obviamente, tem dicas de roupas, do que é "apropriado" ou não para uma mulher usar. Ao mesmo tempo, em vários momentos dos livros elas/es falam sobre não ser possível não reproduzir em cena os padrões de comportamento da vida... E ali, nos textos, estes padrões me saltam. Dicas para mulheres, a postura é nossa, a preocupação é nossa... não inclui os homens. Não se fala sobre como eles podem quebrar padrões em cena, ou como eles precisam se vestir "apropriadamente". É quase, ao menos me soa assim, que exista machismo dentro da Impro, ou que este seja um problema a ser enfrentado somente pelas mulheres. Eu acho que o Napier chega argumentar que homens fazem tanto pápeis de maridos quando mulheres fazem de esposas. E isso não é óbvio? Se há uma esposa, há um marido. Mas, gente? Hein? Não é mesmo a mesma coisa, porque os homens não fazem só o marido, fazem o astronauta que é casado. Ah, tem um outro argumento: essas questões não existem se você fizer uma mulher forte em cena, sejamos fortes. E... não. Não deveríamos precisar ser fortes para podermos ter voz em cena, ou fora dela (o que quer dizer se forte mesmo? Outra discussão!). E eu percebo agora que eu concordava com isso, porque afinal eu era uma "mulher forte" e sabia lidar com os caras, eu sempre fui uma moleca! Orgulho gigantesco que me cegava. Foi por isso que estes textos não me chamaram atenção anteriormente. E por isso, mais uma vez, eu falo em paciência, vamos martelando até que um dia o prego entra e fixa.

Já comentei em outro texto do blog, acredito que foi um sobre Status, como hoje eu me questiono sobre trocar o gênero na hora de atuar... Homem fazendo mulher, mulher fazendo homem. Tenho comentado como vejo que é feito por aqui, em Los Angeles, em alguns espetáculos. Não tenho uma resposta, tenho provocações e afetações. Como artistas não temos direito de fazer qualquer papel? Direitos? Limites? Respeito? Desrespeito? Contexto do momento... Como fazer? Qaundo alguém fala uma profissão como "presidente", automaticamente fazemos um "homem", como quebrar isso? Questões, questões, questões...

Não sou ingênua em dizer que porque as coisas deveriam ser diferentes, elas já o sejam. Por isso, eu vou me incomodar em não usar um sutiã na apresentação, ou você vai se incomodar se eu não usar. Mas hoje eu entendo o porquê do meu incômodo e não tem haver com o fato de eu ter que ter vergonha do meu corpo, mas que eu aprendi a ter vergonha do meu corpo e você aprendou a ter vergonha do meu corpo por eu ser mulher. E, véi... esse exemplo é bem simples, bem cotidiano, e bem poderoso. Que, pacientemente, eu vou mudando em mim. E sim, numa postura minha de palco, assim como a das/os meus parceiras/os (e a plateia se inclui aí, porque é teatro), a gente vai mudando. Fazendo o que deveria ser, ser. E vai ter texto, passeata, conversa de bar, correção linguística na escrita e na conversa, observações sobre o "é modo de dizer", e sapos pela insistência de se continuar dizendo. E dúvidas...

Então, vai um texto curtinho de 2018 traduzido por mim, na minha forma feminista em que tento igualar a apariação feminina e masculina (ainda de uma forma binária, eu sei...), de um texto originalmente em inglês sobre improvisação, 8 de março, mulheres, homens, atuação em gêneros sexuais diferentes... Do texto, eu não concordo e concordo em partes e partes, mas já gosto da perspectiva que é direcionado também ao comportamento dos homens, e se vamos falar de feminismo e igualdade, falemos de todas/os. Deixo aí para pensarmos, discutirmos, nos perguntarmos, nos acharmos e nos perdermos novamente! Assim como deixo o link da Vakinha para investir no nosso documentário, ela fecha dia 27/04, hein? Chique aqui para saber mais e colaborar!

THEATRE MOMENTUM
Imagem e textos retirados do site: http://theatremomentum.com/ladies-gentlemen/




Senhoras & Senhores...

08/03/2018

É o Dia Internacional da Mulher. Hoje é um dia para reconhecer mulheres que tem nos inspirado, e para reconhecer as realizações de mulheres por todo o mundo. E isso é uma coisa boa. É bom que coisas como o movimento MeToo (EuTambém) e o movimento Time’s Up (Acabou o Tempo) estejam acontecendo. É bom que a “inclusion rider” (“inclusão de cavaleiros”)  seja mencionada num discurso do Oscar. Mas nesta pequena esquina de teatro de improv em Chicago, isso não parece ser o suficiente.
Deixe-me voltar um pouco. No mundo improv, no mundo da comédia, mundo do teatro - isso é um problema massivo. E veio à tona mais ou menos no último ano - todo o assédio e misoginia e pagamentos desiguais. Mas isso começa em um lugar muito mais profundo.
Eu apliquei uma audição recentemente, eu tive duas/dois jogadoras/és separadoras/os fazendo personagens do sexo oposto. Não como “mulher que soa ‘rude’ ou ‘masculina’, mas “mulher fazendo um homem”. E não “homem soando ‘suave’ ou ‘feminino’, mas “homem fazendo uma mulher”. Como plateia, isso foi intrigante porque me tirou da cena e fez disso o foco da minha atenção, não a relação das personagens uma I’m a outra. Então eu disse isso, depois que as cenas finalizaram (eu passo minhas observações nos processos de audição). E eu apontei que nós tínhamos uma quantidade suficiente de mulheres e homens na audição -  e nós tínhamos; cerca de um equilíbrio de 50/50 porcento. Quando eu disse a todas/os para só fazerem personagens do mesmo gênero delas/es, a resposta foi simplesmente esquisita. Os olhares que recebi foram meio chocados, quase ofendidos. Isso não fez sentido para mim.

Em improv, você pode interpretar qualquer coisa.
Enquanto eu aconselho minhas/meus atrizes/Atores a interpretarem de forma mais realista personagens humanas, é verdade - você pode interpretar qualquer coisa. Ser um/a cachorro/a, estar em uma nave espacial. Ser a/o primeira/o ministra/o de Atlantis. Eu tenho que admitir, entretanto, que isso não me pega. É chato assistir as 10 mil cenas sobre a/o cachorra/o primeira/o ministra/o de Atlantis. É absurdo. Então, para o estilo do Theatre Momentum (Teatro Momento), nós nos inclinamos mais ao realismo, mais ao trabalho dramático. Não é um lugar que todo mundo fica confortável jogando, talvez porque é mais expositivo, emocionalmente. Então, eu posso atribuir as reações a isso, pelo menos uma parte. 
A outra parte disso, por falta de uma palavra melhor, matemática. É puramente sobre números. Trupes de Improv são, com muita frequência, amplamente masculinas. E tem sido assim por algum tempo. Quando você tem um elenco de 10 jogadoras/es, e só duas delas são mulheres,  você tem uma disparidade. Você tem um elenco que só é capaz de interpretar mulheres com credibilidade por 20% das vezes.  Então os homens acabam fazendo mulheres. E, você tem mulheres fazendo homens, por várias razões. Mas o que sempre me pega na cabeça é isso - nunca tem credibilidade. É quase sempre uma caricatura, nada remotamente realista. E isso não é simplesmente irritante, está no limiar do  ofensivo. Não vou nem começar a falar das pessoas brancas “agindo como negras” ou homens heteros “fazendo gays” - esses assuntos também me incomodam absurdamente.
Aqui está a questão. Como um homem hétero, branco, existe um limite a minha expressividade. Minha melhor amiga no mundo inteiro (também, minha noiva) é uma mulher hétero negra. Nós temos todo o tipo de discussão sobre nossas próprias experiências de vida. E mesmo tão bem quanto eu a conheço, não há simplesmente jeito de eu retratar uma mulher ou pessoa negra com a mínima profundidade ou sutileza que ela o faria.  As coisas que afetam somente a ela, não me afetam. As nuances desaparecem quando eu tenho retrata-la, e se ela me visse tentando, não importa o quão bom eu estivesse, pareceria insincero é ofensivo.
Então por que se preocupar em fazer isso? Porque nós constantemente tentamos retratar algo tão vastamente fora da nossa experiência, com uma frequência maldita? Eu seu que é “interpretação”, mas você não vê por um instante, no seu filme favorito atrizes/atores retratando personagens diferentes do seu próprio gênero e raça. Quando elas/es o fazem, é chocante, e geralmente causam ofensa. E elas/es tem todo o tempo do mundo para fazê-lo, e todos os recursos possíveis. E aí está o atrito.

Como trupes de improv, nõs temos recursos limitados.
Nós temos um set (cenário) sem adereços e sem figurinos. Nós temos somente nossa imaginação para usar. E nós temos nosso elenco. As limitações do elenco vão forças as/os jogadoras/es a performance desse jeito, com mulheres tentando fazer homens, e (com maior frequência) homens tentando fazer mulheres. E isso é nossa culpa, como diretoras/es e produtoras/es. Se, quando você decidido que você vai montar um elenco para o seu espetáculo, (seu espetáculo ideal com a habilidade de fazer absolutamente qualquer coisa), e você seleciona mais homens heteros e brancos no elenco, você terá uma visão distorcida do mundo. Você verá “personagens femininas” pelo prisma de um cara branco e hétero.  E isso não diz que todos os caras brancos e héteros são inerentemente perversos ou ofensivos ou sim simplesmente idiotas. Eu sou um cara hétero e branco, e eu tento não ser inerentemente mal se eu posso administrar isso.
Então depende de nós, diretoras/es e produtoras/es, a consertar a coisa estragada. E não por um autruísmo absurdo ou dando uma forcinha para mulheres que não são boas o suficiente, mas nós temos que atingir uma cota. Foda-se. Isso é puro egoísmo. O mundo tem por volta 50/50 de homens/mulheres. Então, se eu realmente quero ter uma representação do mundo real, e oferecer a mim mesmo o elenco mais dinâmico possível, eu deveria fazer a seleção desse jeito. Tem sido minha experiência, de novo e de novo, que os melhores elencos são absolutamente aqueles com equilíbrio igualitário.  Qualquer coisa que pode ser feita para criar dinâmica além da perspectiva do cara hétero branco é simplesmente bom teatro.  Vai ser vai interessante de assistir, mais realista e nuançado, e oferecerá oportunidades para crescimento, humor, honestidade, é um trabalho simplesmente fantástico.
Mas eu só estou sendo egoísta.

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