Gosto de escrever com o som ou a TV ligada. Cria-se a minha bolha e eu sou afetada de maneiras inusitadas. Quando escrevia minha dissertação de mestrado sobre IMPRO*, especificamente quando escrevia sobre o conceito de "presença", passava na TV o filme "Kung Fu Panda". Eis, como também relato na dissertação, que uma tartaruga mestre kung fu (arte marcial que é considerada um conceito de presença por si só) vira-se para mim e diz: "O ontem é passado, o amanhã é mistério. O hoje é uma dádiva. Por isso se chama presente.".
O mesmo me aconteceu esta semana. Como me tem acontecido com muitas obras de maneira específica. Liguei a TV e já está passando o episódio 21 da Temporada 27 de "Os Simpsons". Neste episódio Homer quer se tornar um comediante de Stand Up e para isso vai ter aulas de Impro. Pela sátira ácida do seriado, o episódio brinca a partir dos princípios da Impro que já são difundidos pela cultura estadounidense. (o nome do episódio é "Simprovisando"). Só deste encontro casual(?) ramifico observações com as quais me deparo constantemente:
<http://www.imdb.com/title/tt5222742/mediaviewer/rm384832256>
1) Vários filmes e livros (incluindo textos teóricos) traduzem Impro (a forma arte e técnica específica de improvisação) apenas como improvisação, ou seja, de forma generalizada. Às vezes, inclusive traduzem Impro como Teatro, como no caso do filme "Os Pinguins de Madasgascar" em que em uma cena dentro do avião o Capitão pede a Kowalski para cancelar a aula de "Teatro" naquela semana porque não vão conseguir chegar a tempo. Algumas cenas para frente Kowaski faz alguma manobra espontânea e criativa e recebe um elogio do Capitão, algo do tipo: "De onde tirou esta ideia?", e Kowaski, orgulhoso, responde que veio das aulas de "Teatro". Como reconheci os princípios da Impro no contexto (que estão/são princípios do teatro) fui assistir a cena no idioma original, inglês. E realmente, as aulas mencionadas eram de Improv (como também é conhecido a Impro). Não critico nenhum pouco as(os) tradutoras(es) em generalizar em termos algo que na verdade, em contexto, seja mais específico. Entendo que tradução, ainda mais numa leitura rápida como a legenda ou dublagem o são, tem que ser compreendidas instantaneamente pela leitora/leitor. A piada dos pinguins é compreensível com a troca de Improv por Teatro. Aliás, se fossemos fiéis à tradução em "Improv", aí que não seria compreensível para a cultura brasileira que não tem a Impro como forma de arte teatral difundida.
2) A associação instantânea de Stand Up Comedy com Impro. Associação fácil e compreensível já que a Impro pode e é usada no treinamento de comediantes Stand Up. É extremamente útil para criação de material e para as próprias habilidades de uma apresentação que é tão tet-à-tet com o publico. Outro ponto que aproxima e causa confusão é que comediantes famosas(os) de Stand Up também fazem ou fizeram Impro. Porém, são duas formas de arte completamente diferentes num ponto primordial: o Stand Up não é improvisado. Pode parecer pelo frescor de espontaneidade e a quebra da quarta parede, mas há um texto pré-escrito, decorado, trabalhado, ensaiado e repetido. Sim, há abertura para momentos de improviso de forma proposital, mas continua não tendo a improvisação como espinha dorsal na apresentação. E esta é a diferença que os separa instantaneamente. Outro ponto é que, por mais que a comédia seja a mais popular em Impro, não há qualquer obrigatoriedade de comicidade na Impro em si. Espetáculos podem ser de comédia, mas trata-se do gênero da peça e não da Impro.
3) Sim, eu assisto muito desenho animado!
4) "SIMProvisado" ou no original em inglês "Simprovised" trazem em si o trocadilho de SIMPsons com improvisado. Ah! Mas em português ainda há o trocadilho do princípio da Aceitação: dizer "Sim": "SIMprovisado".
ACEITAÇÃO X BLOQUEIO ou "SIM, E..."
Keith Johnstone vai usar mais o vocabulário "Aceitação X Bloqueio", enquanto a escola estadunidense vai trabalhar a partir do "Sim, e...". A ideia é a mesma: Aceitar a primeira ideia, dizer "sim", aceitar as regras e a quebra das mesmas. E aqui endendemos a diferença entre princípio e regra. Como treinamento, principalmente com iniciantes, dizer "sim" é uma regra para que se automatize o comportamento. Mas para aquelas(es) que não entendem a diferença, a regra se torna uma prisão e não um trampolim para as(os) improvisadoras(es) em cena, trazendo por exemplo o chamado "Sim a todo custo": um "fenômeno" em que mesmo a cena não funcionando, mesmo já encontrado um final, mesmo que todas(os) estejam sofrendo, não se pára, não se termina a improvisação. Por que? Por que a regra é dizer "Sim". Quebre a regra e se atenha ao princípio e diga "Sim, está ruim" ou "Sim, este é o final".
Quando Johnstone fala do bloqueio é pela ideia de que o "não" bloqueia propostas e ideias. O que não quer dizer que o "não" não tenha poder em cena. São as(os) artistas que dizem "Sim" enquanto personagens, história ou o que e quem quer que esteja vivo como ficção pode negar e bloquear. Exemplo: "A" entra em cena com os dedos da mão figurando uma arma. Diz: "Isto é um assalto!". "B" aceita a situação (assalto), a figura formada (dedos=arma), a "personagem"(assaltante), e diz em cena: "Não, por favor, não leva meu dinheiro!".
Em "Impro for Storytellers", Keith Johsntone apresenta uma série de comportamentos que parecem inicialmente serem de aceitação, mas que na verdade são negações das ideias ou procrastinações da ação (que é negar o desenvolvimento e aprofundamento da improvisação). São indicações que me remetem a cilada de ter o dizer "Sim" como regra e não como princípio. Exemplo, se "A" sugere tomar um sorvete e "B" diz: "Sim, vamos! Mas você não acha melhor comer um pastel?". "B" negou a ideia de "A" mesmo dizendo "Sim" como texto.
O "Sim" faz com que a cena avance, que algo se desenvolva. A ideia de "Sim, e..." traz a perspectiva de adição, aceitar e acrescentar algo ao que foi aceito e não a mudar de direção. Esse é outro ponto que também apóia o princípio acima da regra, porque, principalmente entre improvisadoras(es) que jogam juntas(os) a muito tempo e com mais experiência: negar entra no jogo como dizer "sim" a desafios, ou a possibilidades de abertura de linhas de dramaturgia, etc.
Este princípio tem se expandido a partir da Impro para várias outras formas de teatro, arte, e campos de conhecimento e desenvolvimento. Eu mesma uso as técnicas para treinamentos em empresas e para criação em de peças e treinamento de atrizes e atores em trabalhos que não são específicos de Impro. Seguem alguns textos que falam de Impro na vida, negócios, no combate a ansiedade, etc. Concordando ou não com os escritos, podemos ver que os campos se abrem para outras áreas:
1) "Can Improv Save The Planet? Alan Alda and Tina Fey Say Yes... And" ("Improv Pode Salvar O Planeta? Alan Alda e Tina Fey Dizem Sim...E")
<https://medium.com/@judetrederwolff/can-improv-save-the-planet-alan-alda-and-tina-fey-say-yes-and-b0a8dac7ce39>
2) "How an Improv comedy class revolutionazed my dating live" ("Como uma aula de Comédia Improv revolucionou minha vida amorosa")
<https://www.washingtonpost.com/news/soloish/wp/2017/03/16/how-an-improv-comedy-class-revolutionized-my-dating-life/?utm_term=.7d4b25a20244>
3) "Pense diferente"
<http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Visao/noticia/2012/05/pense-diferente.html>
4) "Inside a Dallas class that teaches Improv to help with axiety" ("Dentro de uma aula em Dallas que ensina Improv para ajudar com Ansiedade")
http://www.dallasobserver.com/arts/inside-a-dallas-class-that-teaches-improv-to-help-with-anxiety-10335958
5) "Why Improv Training is Great Business Training" ("Por que o Treinamento em Impro é Ótimo para o Treinamento em Negócios")
<https://www.forbes.com/sites/forbesleadershipforum/2014/06/27/why-improv-training-is-great-business-training/#20a5efa66bcb>
*"IMPRO visa AÇÃO. Uma Proposta de Treinamento para Teatro de Improviso.": <https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/12320/1/Luana%20Maftoum.pdf>
Nenhum comentário:
Postar um comentário