Em dezembro de 2011, fui a Chicago-IL (EUA) para fazer um curso intensivo em Impro de três dias no renomado Centro de Treinamento The Second City. Fui com o apoio do edital de Intercâmbio Cultural do Ministério da Cultura. Havia duas turmas e, na tarde do último dia, meu professor Micah Philbrook anunciou que as duas turmas se juntariam para improvisar juntas. Falou que, embora tivéssemos feito exercícios diferentes e não nos conhecêssemos, tínhamos trabalhado as mesmas técnicas, os mesmos princípios, falávamos a mesma língua. Isso talvez tenha sido um pouco mais impactante para mim que não tinha entre os outros a língua inglesa como materna. Mas sim, falávamos a mesma língua, a mesma linguagem.
Um dos objetivos deste blog* é gerar e compartilhar material bibliográfico específico e relacionado a Impro. Então, enquanto e quando não trouxer relatos desta minha jornada, vou aproveitando dos meus aceitáveis conhecimentos em inglês e espanhol para traduzir "irresponsavelmente" (mas com dedicação e um posicionamento linguístico feminista) alguns textos que encontro por aí. Assim, quem sabe, vocês que aqui perambulam, se encontram com estes escritos também, com a acessibilidade da língua.
* Informações mais completas sobre este blog e o projeto que o abarca, na primeira postagem: "Não esteja preparada!" de 31/01/2018.
Que comecem os jogos e me perdoem (ou não) os que "hablan las... languages"!
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Impro?
(http://mundoimpro.com/impro/ - Site da Companhia Mundo Impro - Madrid/Espanha)
O que é a impro?, você diz, enquanto crava em minha pupila sua pupila azul.
O que é a impro! É você que me pergunta? A impro... é você.
Pois bem, a verdade é que embora lhe pareça mentira, não seria tão equivocado dizer, numa definição coloquial, isso de que "A impro é você", se a entendermos como algo vivo, em constante mudança e movimento e em relação permanente consigo mesma e com o mundo. Porque, do início ao fim, a improvisação teatral, como a vida, também é um contínuo "reagir ao inesperado".
Mas à margem destas comparações tão vitalistas, e tão poéticas, nesta seção falaremos da Improvisação como um gênero teatral, que luta, com todo o direito, por se encontrar em espaço de destaque no mundo das artes cênicas.
Porque a Impro, como gostamos de chamá-la com carinho, mas sem que o diminutivo leve ao erro de entende-la como algo menor, é uma forma de fazer teatro, que também tem uma técnica específica e uma razão de ser. Na Impro não há cenografia (embora poderia haver), nem roteiro, mas existe todo o mais; qualquer coisa que puder crer a imaginação no momento presente.
Porque na Impro as cenas se constroem ao instante, na relação das/dos atrizes/atores-improvisadoras/improvisadores com o publico, com elas/eles mesmas/mesmos e com tudo que as/os rodeia. A Impro é ação-reação, é escuta, é história, espontaneidade, risco, aceitação, trabalho em equipe... Em suma, e se apropriando das palavras do dramaturgo Peter Brook sobre o teatro, poderíamos dizer, ao também falar deste gênero, que "A impro não trata de nada em concreto. Trata da vida. É a vida". Por isso: Longa vida a impro!
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De onde vem, e para onde vai a Impro?
(http://mundoimpro.com/de-donde-viene-y-a-donde-va-la-impro/ - Site da Companhia Mundo Impro - Madrid/Espanha)
Quando são as origens da improvisação teatral? Como foi convertida em um gênero teatral propriamente dito? Quem foram os precursores? Quando foram os primeiros métodos teóricos desta arte? Perguntas e mais perguntas, que irão encontrar respostas nesta seção.
Buscaremos na apaixonante história da Improvisação teatral, ao nos voltar para o século XVI, conheceremos os pioneiros da impro moderna* e descobriremos quem são as/os improvisadoras/improvisadores que, nos dias de hoje, seguem investigando e introduzindo novidades para que esta arte evolua sem descanso e siga ganhando adeptos em todo o mundo. Porque sim, as/os impromaníacas/impromaníacos são contados em centenas de milhares.**
Sabia que a improvisação teatral surgiu por volta de 1500, na Itália? Evidentemente que naquela época ainda não havia nem catch, nem jogo (match), mas havia a liberdade de fazer teatro, criar histórias, sem um roteiro estabelecido. Simplesmente, colocando-se a serviço da arte da imaginação "mais espontânea" das/dos atrizes/atores. Falamos, como não, da Comédia dell'Arte italiana; um teatro popular representado nas ruas que misturava elementos do teatro renascentista com o uso das máscaras e vestuário daquela época, assim como acrobacias, mímica ou canto. As histórias que se contavam tinham um argumento simples, repleto de arquétipos, e o habitual era que as/os atrizes/atores, a partir de um esquema da trama narrativa, improvisassem as cenas, interagindo também com o publico. Tanto, que este tipo de teatro também foi chamado de commedia all'improviso.
Por outro lado, por ser um teatro ambulante, a Commedia dell'Arte começou a se expandir pouco a pouco por toda Itália, e também pelo resto da Europa. Um fenômeno teatral, cuja vida se estendeu durante mais de três séculos, e de onde beberam dramaturgos tão universais como Lope de Vega, Molière ou o próprio Shakespeare.
Com estas credenciais não nos cabe a menor dúvida que a improvisação teatral (também como a conhecemos na atualidade) merece um lugar de destaque na história do teatro. Ou será que já não o tem? Seja como for, o que está evidente é que seu poder criador transcende os cenários e transita por sua própria vida.
*Temos a obra da brasileira Sandra Chacra "Natureza e Sentido da Improvisação Teatral" traçando um histórico um pouco mais detalhado que pensa a improvisação em geral, além da impro e da "impro moderna". Desde antes na Commedia dell'arte.
** No facebook existe o grupo Impro com improvisadoras e improvisadores da América Latina, do Sul e outros locais do mundo. Para quem quiser mais contato, notícias de cursos e espetáculos: https://www.facebook.com/groups/Iproviso/ . Há também em língua inglesa a Network de Impro, com cadastro de grupos, performers e festivais de Impro: http://www.theimprovnetwork.org/ .
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O salto da improvisação no século XX
(http://mundoimpro.com/la-impro-en-el-siglo-xx/ - Site da Companhia Mundo Impro - Madrid/Espanha)
A improvisação teatral faz parte do mundo do teatro por séculos, mas é no século XX quando passa a ter um papel muito mais protagonista e se dá o salto para se assegurar como espetáculo em si e não só um recurso teatral.
Durante os anos 1920 e 1930, Viola Spolin, considerada a avó estadunidense da improvisação, começou a desenvolver uma nova forma de ensinar teatro às crianças. Viola pensava que a forma para crianças aprenderem e desfrutarem da arte dramática era por meio de diferentes jogos, pelo qual terminou criando e desenvolvendo um método de treinamento para atrizes/atores baseado no jogo. Cada um dos jogos tinha como objetivo superar os diferentes problemas que uma/um atriz/ator pode se deparar no início do mundo do teatro, desde falta de emoção em cena, problemas de projeção de voz, incapacidade de se mover livremente em cena ou, inclusive, falta de escuta.
Este método desencadeou uma nova capacidade criativa nas/nos atrizes/atores que terminou dando lugar ao que se conhece como "shetch-based improv", em que em vez de utilizar os ensaios tradicionais como método de escrever o texto de uma obra, começaram a utilizar a improvisação e os jogos, convertendo as/os atrizes/atores nas/nos escritoras/escritores da mesma. Em 1963, Viola Spolin publicou seu livro Improvisation for the Theater* onde apresenta todos esses novos métodos e técnicas de improvisação aplicadas ao teatro.
Mais tarde, em 1977, o artista, escritor e diretor de cinema, Clive Barker escreveu o livro Theatre Games: a new approach to drama training, onde desenvolve uma metodologia utilizando jogos, baseando-se em sua própria dificuldade para interpretar personagens ou situações que não havia experimentado antes.
Viola Spolin e Clive Barker foram os primeiros a começar desenvolver metodologias baseadas na improvisação e em ensinar os benefícios da mesma para desenvolver a criatividade e espontaneidade da/do atriz/ator.
Em meados dos anos 50, o filho de Spolin, Paul Stills, foi um dos impulsores do teatro de improvisação na Universidade de Chicago, sendo fundador, junto a David Shepherd, do "Compass Players" que terminou conduzindo a formação do “The Second City" em 1959. Sua primeira geração de atrizes/atores se viram fortemente influenciados por Spolin, as/os quais, usando suas técnicas e métodos de treinamento, puderam criar uma improvisação teatral satírica sobre temas sociais e políticos da atualidade. O êxito do "The Second City" tem sido, em grande parte, responsável pela popularização do teatro de improvisação que se tem convertido em uma forma de comédia conhecida como improvisação ou impro.
Pelo "The Second City" têm passado numerosas/numerosos improvisadoras/improvisadores, dentre elas/eles, cabe destacar o improvisador Del Close. Del Close é considerado uma das maiores influências da improvisação moderna. No final dos anos 70 fazia parte do grupo de improvisação "The comitte" de onde desenvolveu uma nova forma de improvisação chamada Harold. Em 1994 publica, junto a Charna Chaplen e Kim Koward Johnson, o livro "A verdade na comédia" onde descrevem as técnicas conhecidas como Long form e, a já mencionada, Harold.
Paralelamente, durante a década de 50, Keith Johnstone desenvolveu uma série de teorias sobre a criatividade e a espontaneidade que posteriormente o fez integrar sua cadeira na Universidade de Calgary (Canadá). Johnstone perseguia a ideia de um teatro mais espontâneo e criativo, mais perto da/do mulher/homem comum, já que ele entendia que o teatro havia se tornado cada vez mais e mais pretensioso. Tudo isto o levou a ideia de juntar teatro e esporte, criando assim o "Theatresports" onde as regras desportivas se adaptaram e incluíram o teatro de improvisação.
Por outro lado, na década de 70, se conta que, no Canadá, Robert Gravel e Yvon Leduc estavam vendo uma partida de Hockey sobre gelo e, em um intervalo, começaram a parodiar o encontro improvisando diferentes situações. O publico que assistia no bar riu e aplaudiu tanto que os donos pediram que repetissem o espetáculo na semana seguinte. E assim, foi criado, sob uma forte influencia do trabalho de Keith Johnstone, em 21 de Outubro de 1977, o que se conhece como Match de Improvisação, nascendo com ele a LNI (Liga Nacional de Improvisação) em Québec (Canadá).
A partir de tudo isto a improvisação começa a chegar a todos os recantos do mundo, celebrando-se em 1987 o primeiro Match histórico de Improvisação de língua Hispânica na Argentina, onde participaram as juradas canadenses Sylvie Potvin e Sylvie Gagnon (ambas pertencentes a Liga Nacional de Improvisação, LNI) e o Argentino Ricardo Behrens, (Para mais informações clique aquí)
Na última década do século XX e no início do século XXI temos podido observar como têm nascido numerosas companhias de improvisação por todo o mundo, desenvolvendo os formatos nascidos durante o século XX ou criando novos com base neles. Durante os últimos anos, têm-se sucedido numerosas competições e encontros de improvisação em múltiplas línguas. As escolas de teatro improvisado têm-se multiplicado nos últimos anos podendo encontrar cada vez mais variedade de improvisadoras/improvisadores, métodos e formatos.
Apesar da improvisação ser considerada em numerosas ocasiões a "filha feia" do teatro**, o certo é que a força com que ela está crescendo e se firmando demonstra o grande potencial desta arte.
* Este livro tem sua versão em português: "Improvisação para o Teatro".
**É impressionante o quanto esta repetição de preconceito se estabelece em culturas diferentes. E o preconceito se dá entre as/os próprias/próprios artistas. No Brasil também se dá. Uma maneira de combater é conhecer.
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