segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Questão de Status - traduções e Escuta das influências em mim, da Escócia ao Chaves

Status é um dos conceitos e princípios que aprendi com a Impro que mais me intrigam e estimulam para o trabalho de teatro em geral. Não ouvi falar antes em nenhum momento durante a faculdade ou em cursos de formação. Com a Impro comecei a vislumbrar e a explorar. Num das edições do Festival Internacional de Teatro de Brasília Cena Contemporânea, tive a oportunidade de fazer um curso intenso de improvisação com Matthew Lanton do grupo escocês Vanishing Point. Atenção: não era um curso de Impro, da forma de arte, era de improvisação, das técnicas usadas para a criação dos trabalhos da companhia. Entre a caipirinha dele não tão tradicionalmente brasileira e o meu uísque nada escocês, conversamos no Ponto de Encontro do festival sobre uma das aulas em que ele sentiu que deveria trabalhar mais afundo o conceito status, já que a maioria absoluta da turma nunca havia ouvido falar disso como conceito. E como isso lhe foi uma surpresa, do nosso não conhecimento de um princípio cênico já um tanto difundido pelas bandas de lá. Aqui eu vejo mais uma vez um tanto do prejuízo do preconceito com Impro no Brasil nos levando a não aproveitar seus princípios em qualquer formato do teatro/cinema. Diante disso, trago um texto sobre Status do site Mundo Impro.

ATENÇÃO: Essa é uma tradução de minha própria irresponsabilidade do texto abaixo (original em espanhol). Site: http://mundoimpro.com/cuestion-de-estatus/. O posicionamento feminista em relação à nossa língua se dá por minha conta, em anunciar a presença do sujeito feminino onde é inserido (e assim, por vezes, apagado) na generalização do masculino por convenção cultural linguística. Ou seja, essa conversão minha não existe no texto original.

QUESTÃO DE STATUS

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Como o status das personagens afetam a nossas improvisações 



Keith Johnstone nos conta em seu livro Impro: Improvisation and the Theatre que quando tentava improvisar cenas da vida cotidiana no estúdio de teatro que trabalhava como professor nos anos 60, o resultado era tedioso. Johnstone dava as indicações de "não tente ser engraçada(o)" e "não tentem parecer inteligente" para tratar de dar um tom real a essas cenas.Apesar disso, as(os) atrizes(res) forçam as situações, o que as(os) contaminava e lhes tirava toda a vida que Johnstone queria lhes dar. A chave para solucionar isso se deu numa representação de O Jardim das Cerejeiras no Teatro de Arte de Moscou (dirigido na época por Stanislavsky, talvez o mais influente professor de interpretação do século XX) ao qual assistiu. Nela as(os) atrizes(res) pareciam ter encontrado o motivo mais importante para realizar suas ações, com um resultado "teatral",as, do ponto de vista de Johnstone, distante da vida. Johnstone se perguntou então o que aconteceria se as(os) atrizes(res) tivessem procurado pelos motivos menos importantes para fazer o que faziam: seguramente, uns motivos muito mais próximos da realidade. A partir daí desenrolou seu primeiro exercício para treinar os status:se tratava de que na hora de improvisar as(os) atrizes(res) tentariam que suas personagens tivessem um status um pouco mais alto ou um pouco mais baixo que de suas(seus) companheiras(os). Com esta simples instrução conseguiu que as cenas ganhassem uma que vida que não haviam tido até esse momento.

Esta história nospode dar uma ideia da importância do status das personagens com respeito às demais que interagem com elas na hora de improvisar uma cena. É o primeiro tema que Johnstone fala em seu livro, e inclusive a única revista dedicada integralmente à improvisação, dirigida por nossas(os) companheiras(os) do Mundo Impro Feña Ortali, leva em seu nome esse termo em inglês, status.

O Dicionário da Real Academia define o status como "posição que uma pessoa ocupa na sociedade ou dentro de um grupo social". Todas(os) temos um certo status geral, alto ou baixo que se pinta dependendo das circunstâncias. Tanto as pessoas de status alto como as de status baixo partem de um mesmo princípio de defesa contra as agressões. Para as pessoas de status alto são como se dissessem: "não me ataques: sou poderosa(o)e te destruirei". Para as de status baixo, ao contrário, parecem querer dizer: "não me ataques: não mereço isso".

Em nossa vida cotidiana o status tem um papel importante. Nos serve para exercer o poder ou para deixar as(os) outras(os) exercerem. Nos casos mais extremos, se não adotarmos o status que nos corresponde, nos encontraremos com situações anormais: se devemos ter um status alto mas o temos baixo, pode ser que percamos o controle, como um professor do qual as(os) alunas(os) riem ou a(o) chefe que não consegue que sua equipe de trabalho renda como deve. Se temos um status alto quando deveríamos tê-lo baixo, também podemos ter problemas: a ninguém ocorreria fingir ter status alto diante de um(a) policial que lhe fará um teste de bafômetro na estrada, quando se acabou de beber quatro uísques em uma boate. Ou sim, devido a distorção da percepção de realidade que o álcool provoca.

Na hora de aplicar este elemento à improvisação se procura que, além de definir o tipo de relação, o espaço e a situação dada, determinemos os primeiros segundos dessa improvisação que tipo de ordem social é estabelecida entre as personagens. Há de se evitar as cenas onde todas as personagens tenham o mesmo status. Como resultado sairiam cenas tediosas e desinteressantes por mais que a história ou as ações avancem. Basta aplicar o princípio de estar "um pouco acima" ou "um pouco abaixo" do status das(os) demais para que a cena ganhe vida. Aparentemente é algo simples, mas há improvisadoras(es) que têm problemas na hora de definir status.
Em uns casos aparecem improvisadoras(es) cujas personagens têm sempre status alto e desafiam qualquer outra personagem que pretende disputar seu lugar. Num caso contrário há improvisadoras(es) incapazes de criar personagens que estejam acima das demais, o que geralmente implica no abandona de responsabilidade na construção das cenas. Esta forma de se comportar está relacionada com a personalidade das(os) atrizes(res). Na hora de improvisar geralmente ocorre de transmitir seus padrões de status à suas personagens, o que pode levar a tipificação no melhor dos casos ou a disputas em cena pelo status do pior jeito. Quantas vezes, se não, não tenhamos visto duas(dois) improvisadoras(es) construindo cada um(a) personagens mais inteligentes, mais bonitas ou mais poderosas que a outra, fazendo que a cena seja tão somente uma luta de egos?  Ou aquelas outras em que, pelo contrário, atrizes(res) de status baixo em sua vida cotidiana deixam que uma cena se afundar porque não são capazes de assumir a liderança? As cenas de discussão (em geral, extremamente chatas) geralmente tem nesta causa a sua origem. As discussões por status não têm por quê dar-se aos gritos. Existem ocasiões em que essa luta toma a forma de concurso de piadas fáceis ou de denigrimento da personagem de nossa(o) companheira(o) ou inclusive bloquear-la(o), sabendo que seu desconcerto vai gerar risos, mas às custas da construção dramática da improvisação e da qualidade da representação.
O desejável é que sejamos capazes de assumir diferentes status nas diferentes improvisações, a partir da escuta. Por outro lado, em uma improvisação longa, uma personagem pode ter um status alto com respeito a umas personagens e um baixo com respeito a outras, como pode ocorrer a qualquer pessoa: a(o) dona(o) de uma empresa pode ter um status alto com suas(seus) empregadas(os) e um status baixo com essa(e) policial do inicio do nosso artigo que lhe pega bêbada(o) dirigindo. Nas cenas, além disso, é bom que haja mudanças de status a partir do que acontece. As cenas interessantes trazem sempre um baile de status ou mudanças de status. Quer dizer que as personagens evoluem de maneira que o status mudem entre elas ao longo que a improvisação se desenrola, como um jogo de tênis (mas pela evolução natural da cena, não porque haja uma luta e uma personagem ganhe); ou ainda que no desenrolar da cena uma personagem mude radicalmente seu status.
A mudança de status - entendida como evolução da personagem e não como lutra com outras personagens para mante-lo -, está relacionada diretamente com a escuta. Pode ser que em nossa vida cotidiana não o escutemos, desde nosso status alto de policial, às desculpas que nos colocam bêbadas(os) que acabam por dar positivo o teste do bafômetro, mas como personagens na cena é absolutamente necessário. Quando dizemos escutar, o fazemos deste ponto de vista da improvisação, quer dizer, com uma escuta ativa que afeta a personagem e provica sempre uma mudança. Não se trata de que nossa personagem de policial simplesmente deixe a bêbada(o) seguir dirigindo e mantenha seu status com o(a) condutor(a) seguinte, se não, mudar esse status, quer dizer, sua vida em cena de um modo mais radical (Sempre se embriagará antes de entrar para o trabalho? Vai colocar monitoramento de bebidas alcoólicas na estrada? Acompanhará a(o) bêbada(o) à suas sessões de alcoólicos anônimos e deixará sua família para estar ao lado dela(e)? Se apaixonará pela(o) bêbada(o)?).
As mudanças de status têm consequências muito enriquecedoras para potencializar os elementos dramáticos ou cômicos. É muito interessante contemplar a evolução de status de uma personagem em um drama, ou potencializar a comidade de uma cena mudando radicalmente os status das personagens de alto para baixo. Também se podem criar efeitos muito cômicos se se fazem lutas por status baixo, em que cada uma das personagens sempre tenta estar abaixo da outra, no lugar de brigar por estar acima, que resulta em algo muito mais chato.
Para treinar a mudança de status é bom que saibamos e aceitemos qual status nós costumamos exercer e comunicar ao resto do mundo (efetivamente, todas(os) temos uma certa tendência a status baixo ou alto) para, a partir daí, sermos capazes de nos colocarmos em uma posição diferente, em um status distinto. Nossas cenas nos agradecerão e talvez aprendamos a nos colocar em posições diferentes - em status diferentes - em situações de nossa própria vida.
Ilustração: Francisco Ortega (wiki commons)
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Para essa brasileira aqui que vos escreve diretamente, foi mais fácil entender o jogo de status (percepção, escuta e mudança deles) e seu potencial em cena, além de seu princípio da gangorra (um status sobe, outro desce, briga na manutenção de dois status iguais), ao assistir com um novo olhar ao programa do Chaves (o mexicano "El Chavo del Ocho").
Segue,  então o link de m trecho de episódio em que percebo nitidamente a cena evoluir a partir das trocas de status, das transformações que as personagens ganham: https://www.youtube.com/watch?v=-hKZ8jwoVW4&t=20s

5 comentários:

  1. Oi Luana! Muito legal seu trabalho e sua generosidade. Obrigado por compartilhar. Conduzo uma companhia de Playback Theatre em Belo Horizonte e tenho buscado me aprofundar na Impro. Esse final de semana tivemos curso com Mariana Muniz na ufmg bem especial. Continue com o seu trabalho! Espero conhecê-la um dia. Abraço!

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    1. Oi, Rodolfo! A Impro realmente é encantadora. Obrigada pelo apoio. A partir de março vão haver relatos mais pontuais sobre cursos que farei nos Estados Unidos. Espero que seja proveitoso. Até lá, (e está quase lá) vou trazendo alguma bibliografia aqui. Procura no Facebook pelos grupos de Impro, você acaba encontrando bastante material também. Vamos juntos, no apoio conjunto. Que nos caminhos se cruzem por aí!

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  2. Luana, uma amiga improvisadora me disse algo que estou agora a pensar: ao se improvisar um homem e uma mulher, o homem tende ao status alto??? Nunca reparei nisso e fico pensando em até que ponto é real.... importante pensar nisso

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    1. Nossa, Eugenio! Que discussão bacana. E que abre outras questões também, como, por exemplo: outra vez eu discutia com a Rhena de Faria (Jogando no Quintal) sobre mulheres fazendo papéis de homens na Impro. Ela tem um espetáculo com elenco absoluto de mulheres que, por opção, não fazem personagens masculinos. No Second City tem um curso e uma noite de improviso exclusivas para mulheres. Eu mesma fui de um grupo de Impro em que por 2 anos eu fui a única mulher. Mesmo tendo um forte personalidade de status alto, recordando agora, eu tendia a ceder status aos meninos. Talvez nem sempre, mas com certeza com certa frequência... pensando agora por alto, acredito que a questão do status tem muito mais haver com a personalidade da(o) improvisador(a), mas, assim como vida e arte são siamesas, os padrões sociais tendem a aparecer na improvisação. AFF! Dá pano para manga esse negócio, e quem sabe até um artigo escrito a quatro mãos? Empolguei. Topa discutir e pesquisar isso juntas(os)? A gente pode se falar melhor por e-mail: luanaproenca@hotmail.com

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