A revista Status é uma revista de Impro mensal que traz artigos de opinião, entrevistas e divulgação de cursos e festivais. Ótima ferramenta de discussão, provocação, compartilhamento e acompanhamento do que acontece em alguns cantos do mundo com Impro. A revista é publicada em espanhol e nos últimos meses também em inglês.
Trago aqui um artigo do Caderno Opinião traduzido do inglês para o português por mim (daquele jeito meu de envidenciar o feminino na generalização masculina da língua portuguesa) a fim de levantar alguns debates e ideias.
Quem quiser saber mais e apoiar a revista, acesse: http://www.statusrevista.com/
Fonte: http://www.statusrevista.com/
IMPRO É UMA ARMA PODEROSA
O QUE ACONTECE QUANDO OS SEGREDOS DA IMPRO CAEM EM MÃOS ERRADAS?
Por Feña Ortalli
Não é novidade que pouquíssimas pessoas vivem do seu trabalho como atrizes/atores. Ainda mais quando elas/es se ficam na impro.
É por isso que muitas pessoas dedicam seu tempo em compartilhar seus conhecimentos à todas/os que querem descobrir os segredos desta linda e nobre técnica. Há cada vez mais e mais cursos regulares e workshops intensivos que buscam acordar o impulso criativo de "pessoas comuns". Entretanto, existem também muitas/os professoras/es que encontraram no treinamento coorporativo um negócio muito mais lucrativo e existem várias empresas que estão dispostas a gastar toneladas de dinehiro para treinar suas/seus empregadas/os.
Mas, você está disposta/o a compartilhar os segredos da impro com o mundo coorporativo? Você realmente quer deixar o capitalismo entrar na nossa casa? Você acredita que a filosofia impro vai preencher os escritórios dessas empresas com unicórnios e raios de luz? Bem, pense de novo.
Se as empresas estão mesmo interessadas em improvisação eu não acredito que é necessariamente para se tornar pessoas melhores. Conceitos valiosos como escuta, aceitação, capacidade de oferta, respeito pelas ideias de outras/os e dinâmicas de grupo sendo usadas a favor de perpetuar um sistema desumano, hierárquico, classicista e competitivo. Não as deixe engana-la/o. Não se engane.
Eu não estou dizendo que é errado faze-lo, de maneira alguma. É a mesma economia capitalista (gerenciada por estas empresas) que a/o força a aceitar esses trabalhos. Eu entendo. É simplesmente uma questão de saber com quem você está lidando. Eu fiz e provavelmente vou continuar fazendo, talvez até que eu consiga me manejar sem essa renda.
Improvisação é uma técnica muito nobre para dividir com qualquer um/a. Pense sobre isso, se você vai cobrar o mesmo ou menos do que você cobraria para "pessoas comuns", você faria? Pense a respeite e se responda honestamente.
"Eu não sou ingênuo, ou não-realista; Eu sei que não será uma grande revoluçao. Apesar de tudo, nós podemos fazer coisas úteis, como colocar limites no sistema." Slavoj Zizek. Filósofo esloveno.
Revista Status no. 87. Caderno Opinião, p. 04. (Tradução minha do inglês para o português - grifos do autor)
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Entendo o texto de Ortalli como provocação, e a partir daí doso alguns pontos de vista que me parecem "radicais" ou extremistas" num primeiro olhar. Me toca o seu lugar de fala, de quem faz e se questiona quanto o porquê faz e apra quem faz.
No meu paradoxo pessoal não concordo com a "sacralidade" dos segredos do "nosso mundo Impro", porque a Impro me é muito natural. Um dos motivos da minha paixão por Impro foi entender que ela sempre esteve aqui, foi percebe-la em mim e a minha volta por todo o caminho e... bom, isso é meu sagrado, não é? Como disse: paradoxo. Mas o que eu quero dizer é que para mim a porta está aberta, "não há segredos" (parafaseando e citando o diretor inglês Peter Brook). Estudamos em Impro e praticamos o invisível e paupável da vida... ou invisível e abstratado. Ok... estou filosofando um tanto.
Aceitando (sim, e...) a provocação de Feña Ortalli a pensar a respeito de com quem se compartilha os nossos conhecimentos, eu penso que também precisamos pensar em como compartilhamos. Não falo da metodologia, mas das condições dos trabalhos. Por vezes também sou chamada a usar as ferramentas e técncias da Impro e do Teatro em si (que eu também não diferencio já que Impro é teatro e a meu ver, a base do teatro) em treinamentos coorporativos. As propostas dos "treinamentos" são, muitas vezes, de uma hora com sei lá, duzentas pessoas. Recuso, pois aceito a ineficiência do trabalho com um tempo que não é hábil com ainda uma quantidade de pessoas que potencializa o desastre. Aceitar sem escuta dessas condições é usar martelo em parafusos, até é possível enfiar o metal na parede, mas vai danificar tudo em volta e as próprias ferramentas. Ou seja, um deserviço.
Não se muda comportamento ou se treina de verdade sem qualidade de presença. Quando o comportamento muda, é só o começo.
Minha mãe está dando aulas de reforço em matemática como voluntária numa escola pública. Conversou comigo sobre a apatia e dificuldade de foco e aprendizado das/os alunas/os pré-adolescentes. Me pediu dicas de exercícios para tal. Eu dei alguns exemplos e a alertei quanto a esse como, sobre as condições. Ela foi para a sala de aula e executou um dos jogos que lhe expliquei. Me ligou novamente dizendo: "o jogo foi um sucesso, as/os estudantes adoraram, ficaram super concentrados, mas... depois não consegui dar aula, muita energia, não paravam quietos. Como faço?" Aí eu a lembrei das condições e também das responsabilidades de uma decisão em mudar comportamentos, começando inclusive com o dela. Se quer ter uma aula diferente, não adianta fazer um exercício para dizer que foi diferente e voltar ao padrão na sequência. Mudar requer aceitar a mudança em si e com isso, escutando e aceitando (bem auto-ajuda Impro) se aprofundar. No caso, estudar também não é?Se quer usar teatro na sala de aula, que se proponha a estudar teatro para que possa atender e atentar às provocações que tocam as/os alunas/os. conversar com a minha mãe é sempre muito elucidante para mim também, porque há nela a precisão matemática com o olhar da pintora.
Causos a parte, pensemos sobre as condições que nos são requisitadas para a sala de aula, trabalho ou treinamento. Repense e converse as ações, tente mais tempo, menos gente, mude para palestra, mude o enfoque, seja honesta/o.
Honestidade é uma Ação Poderosa.
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