segunda-feira, 19 de novembro de 2018

CIRCUITO !MPRO - Festival de Impro no Brasil

CIRCUITO !MPRO


Um dos maiores objetivos deste projeto é popularizar o conhecimento sobre Impro. Como? Troca.
Um dos maiores objetivos deste projeto é produzir material sobre Impro em português. Como? Troca.
Um dos maiores objetivos deste projeto é trocar. Como? Este blog, a feitura de um documentário, e a presença física em festivais.

Porque festivais são importantes para o teatro?

Eu considero que boa parte da minha formação artística, que vai além dos cursos e trabalhos, se deu pelas experiências em festivais. Assistir ao Festival Internacional de Teatro de Brasília Cena Contemporânea da minha adolescência até... este último agosto, com certeza provocou intensamente a minha percepção estética, política, ética, e artística. E como não? A oportunidade de assistir à espetáculos de todas as partes do mundo já e por si escola. Mas ainda há o fator da intensidade, dos encontros, das conversas, dos debates, da cerveja. Conversar sobre o que se vê e faz. Conhecer as/os fazedoras/es e trocar pontos de vista é de crescimento pessoal.
Outro “fenômeno” foi a experiência com o espetáculo”O Rinoceronte” do triste é tão tristemente atual texto de Eugène Ionesco com direção de Hugo Rodas. Por um pouco mais de dois anos pude viajar com o espetáculo e participar de vários festivais no Brasil. E perceber os diferentes públicos (diferentes culturas dentro da sua própria cultura) e trocar com o público e demais artistas depois, me ensinou um bocado sobre poder. Poder em se ter poder e de se permitir fazer, o que se pode fazer. Festas são lugares de encontros e trocas. Festivais é uma festa mesmo.

Ir ao Festival Mount Olymprov na Grécia em junho deste ano explodiu não só minha cabeça, mas minha vida. Rumos que eu me eram impossíveis, distantes se tornaram realidade pela percepção do poder trilha-los. Fala-se muito e desamassado do medo do desconhecido. E ele existe. Existe tão somente por conta do poder do desconhecido. Se perde para se achar. Voltar outra. 

E eu voltei ao Brasil. Rio de Janeiro. O Festival Circuito !mpro, em sua segunda edição. Uma iniciativa de Davi Salazar e Tomás Pereira em trocar, fomentar, unir e integrar as/os fazedoras/es entre si e o público.

O Circuito aconteceu por três finais de semana, sábados e domingos, na Casa de Espanha na cidade do Rio de Janeiro. Apesar desta distribuição de cronograma impossibilitar a minha pessoa de acompanhar todo o festival (três semanas fora não dava, né?), é um tempo também interessante para, principalmente neste momento inicial e intensificado da Impro no Rio, de permitir o publicões se envolver cada semana mais. Afinal, a política do boca a boca só funciona se houver tempo. De toda forma, eu acompanhei metade do festival, 3 dos 6 dias de apresentações. 


SOBRE O CIRCUITO !MPRO:

“Existe um cenário de Teatro de Improvisação o Rio de Janeiro ainda pouco conhecido.
Grupos compostos por artistas de muito talento, com formação sólida em teatro. Muitos deles foram alunos de Keith Johnstone, Omar Argentino, Fernando Caruso, Gustavo Miranda, estudaram na Companhia de Teatro Contemporâneo, UCB, Second City, Loose Moose, UNIRIO e outras escolas importantes no gênero. alguns grupos possuem mais de 10 anos de formação.
Em 2017, dois improvisadores idealizaram um Festival onde grupos selecionados pudessem mostrar ao público seus formatos. Trata-se de uma mostra não competitiva onde o que mais importa é a criatividade, inovação e diversão do público. Surgiu então o Circuito !Impro - Circuito de Improvisação Teatral que está na sua segunda edição e acontece na Casa de Espanha, um teatro confortável e com excelente acessibilidade.” (https://m.facebook.com/circuitoimpro/#!/story.php?story_fbid=311164852813978&substory_index=0&id=188232868440511)


PROGRAMAÇÃO 



Uma das propostas muito bacanas da programação é a de alternar no mesmo dia de apresentação um short form e um long form. Há um pequeno intervalo entre as apresentações de mais ou menos uma hora cada, que serve justamente para troca de cenário e um respiro, água e banheiro para o público.

Observação para quem está a chegar por agora ao blog. Essas são minhas percepções e se encontram em itálico para diferenciar informações de outras fontes. Comentários mais do que subjetivos meus ainda por cima aparecem em itálico que é para lembrar a quem lê que o que se apresenta aqui é apenas uma perspectiva.

03/11/2018 (sábado)

Eu não havia chegado ao Rio ainda, estava no avião a caminho do Brasil. O grupo que abriu o Festival foi o BABY PEDRA E O ALICATE.


04/11/2018 (domingo)
Mestre de Cerimônias: Rodrigo Amém

Já a partir das minhas perspectivas, mesmo cansadona da viagem. As sinopses sediadas pelos grupos me forma enviadas após eu escrever minhas observações. Então é possível dar uma comparada na proposta do grupo com a minha leitura/percepção de espectadora (minhas observações seguem itálico).

OS MOIROS. Espetáculo “O Fio da Meada”
Long Form.

Três histórias com uma pegada shakespeareana. As histórias não tem uma correlação narrativa entre si necessariamente. O público entra e os três improvisadores, homens (moiras se tornam moiros) estão cobertos com panos de cores diferentes, segurando luminárias numa luz mais baixa e com velas. Música de fundo em atmosfera de mistério. No palco temos folhas secas espalhadas: o que é visual, cheiro e som, e continente de memória: floresta, perigo, etc. Os improvisadores fazem entre si associação de palavras. O público se senta. É solicitado que uma pessoa escolha três cartas de várias que estão na boca de cena, todas viradas para baixo. Cada carta sorteada é a inspiração/título para cada história que será improvisada. Começam novamente associação de palavras, mas agora envolvendo o público. Estas palavras permeiam a história criada. Finalizada a primeira história, as figuras dos moiras/moiras são resgatadas, se comenta a última história e o que faz link para a nova coleta se palavras por associação e início da segunda história. O mesmo acontece para atreveria e última história.

Sinopse (cedida pelo grupo):
A Companhia de Teatro Os Moiros apresenta o espetáculo de improvisação O Fio da Meada, que tem como inspiração estética e dramatúrgica as obras de William Shakespeare. Partindo de sugestões da plateia, os atores Bernardo Nunes, Davi Salazar e Tomaz Pereira contam histórias improvisadas e de forma coletiva, perpassando por momentos trágicos, cômicos e conflituosos, bem como evocam elementos fantásticos e sobrenaturais.


DESCE OUTRA. Espetáculo: “Desce Outra”
Short Form

Quatro improvisadores e um músico alinhados nas suas camisas brancas, calças jeans e gravatas pretas. Alinhados mas não por muito tempo. O formato que é realizado em bar tem a cachaça como... indutora dramática, tanto nas histórias criadas, na linha dramática do espetáculo e no nosso drama conjunto de se estar presente, porque sim... nós também bebemos. Obviamente, pr estar na caixa cênica e não num bar o espetáculo sofreu uma adaptação. A influência do espaço de relação com o público é mais que evidente nestes momentos... a cachaça distribuída, aproximou um tanto o público que, pela formação espacial de um teatro pode se reservar a se “invisibilizar” (como ele gostaria de acreditar que isso é possível realmente... hahaha).
São realizados os jogos de improviso entre os improvisadores e o lugar da “competição” popular do short form, se dá na sorte ou não execução do desafio do jogo... que resulta em se beber mais um pouco. A própria bebedeira se torna tema e cumplicidade com o público.

Sinopse (cedida pelo grupo):
Espetáculo de improvisação etílica, com cenas criadas através de jogos de bebida, conhecidos por serem feitos por grupos em festas e reuniões em casas de amigos. Os atores se desafiam e quem “erra”, bebe. Ao longo da apresentação, o nível alcoólico aumenta, assim como a dificuldade dos jogos, testando cada vez mais a sobriedade (ou não) do elenco.

10/11/2018 (sábado)
Mestre de Cerimônias: Diogo Luccas

CAFÉ COM LEITE. Espetáculo: “Coffee Break”
Short Form

Um varal com as camisetas desse time. Digo time porque o figurino brinca ali no futebol. Cores, amarelo e estampa xadrez preta e branca. A música é uma proposta de condução de ritmo e energia do espetáculo, principalmente no tocante ao início: na apresentação do elenco. Três homens e uma mulher e tendo mais uma como convidada. Cinco improvisadoras/es. O cenário propõe o lugar de “fora de cena” pelos bancos. A “competição” se dava por desafios, mas sem penalidades ou pontuações. A não ser pelo jogo do “Só Perguntas” que quem perdia tinha que chupar um limão. Agonia.... objetivo atingido. Para o jogo “torradeira” tinham uma estrutura de pvc e pano para trabalhar o desaparecer e aparecer diante do público. Sugestões de cenas e temas eram pedidos tanto na hora quanto por sorteio de solicitações feitas por escrito antes de se abrir a casa.

Sinopse (cedida pelo grupo):
O espetáculo COFFEE BREAK é um show de Improvisação e Humor. Minutos antes do início do espetáculo, os atores conversam com o público, recolhendo idéias, histórias, sugestões que sirvam como tema para as histórias daquela apresentação. E quando soa o terceiro sinal, a magia do teatro acontece em cenas improvisadas é muito divertidas. O espetáculo conta com sete jogos de improvisação, alguns conhecidos pelo grande público e outros de autoria da própria companhia. É apresentado e conduzido pelos próprios atores sempre de maneira atual e dinâmica. 

LUPAS LOUCAS. Espetáculo: “Casamento ou Bicicleta?”
Long Form

Um grupo bem heterogêneo em relação a idades e aparências étnicas. Quatro mulheres e três homens. Todas/os de preto. Tinham à disposição uma série de adereços: molduras de quadro, perucas, aventais, tecidos, etc. que ficavam no canto direito do palco encima de uma mesa ou pendurados num cabideiro. A temática partia das escolhas pontuais das nossa s vidas, do tipo “caso ou compro uma bicicleta”. Cada uma das pessoas do elenco sorteia uma dessas situações de escolha que formam escritas previamente pela plateia. A própria plateia escolhe qual será a situação que desenvolverá a narrativa. A primeira cena apresenta as “duas faces” da história, as duas pessoas que farão a mesma personagem mas que viveram os caminhos diferentes: uma do “casamento” e a outra a da “bicicleta”, quase como histórias em universos paralelos. As duas são desenvolvidas intercalando-se sem uma ordem (ao menos aparentemente), até um ponto em que as duas fasces se encontram em uma cena e trocam ideias num novo empasse de suas vidas. A plateia então é questionada sobre qual “realidade” se assistirá o desfecho, e assim se fecha a história.

Sinopse (cedida pelo grupo):
Coletamos da platéia momentos de dúvidas cruciais que tem ou tiveram na vida. Cada improvisador sorteia da caixa uma dúvida. O improvisador vai à frente, se apresenta para a platéia e declara sua dúvida. A platéia escolhe a história que será desenvolvida. Dois improvisadores, com máscaras iguais, em cena como duas partes de um mesmo EU declarando sua dúvida até que um deles escolhe um caminho a seguir e o outro fica com o que sobrou. As cenas são intercaladas entre os dois EU's. Após consolidação das escolhas há os dois EU's se encontram sem saber que são o mesmo e falam sobre suas vidas. A cena é interrompida e a platéia escolhe qual dos dois EU's deve contar o final


11/11/2018 (domingo)
Mestre de Cerimônias: Rodrigo Amém

JOKETROTTERS. Espetáculo: “Não sei”
Shorts long form (vou explicar no relato, hehehe)

Dois grupos que se juntaram para formar este espetáculo (ou ao menos foi o que eu entendi, hehehe). Assim, quatro improvisadores em cena. Caixa branca, coletes escuros (cinzas ou pretos), calças sociais pretas e gravatas de diferentes cores. Sapatos variavam. Um quadro branco com quatro espaços delimitados é um pontos de interrogação no meio. São solicitação 4 palavras ao público que são anotadas nos quatro espaços delimitados no quadro. Cada palavra vai inspirar uma história diferente. Quatro pequenas histórias que não tem necessariamente um final (a lá short form) Alguns elementos das histórias criadas são escritos no quadro também. É perguntada a plateia ao final das 4 histórias qual personagem querem ver o desenrolar, o que não quer dizer que essa resinagem tenha sido a personagem principal da história... mas agora será. Vemos este desenrolar que fecha o espetáculo.

Sinopse (cedida pelo grupo):
“Não sei” é um espetáculo de improvisação que possui uma estrutura simples que preza pela liberdade de seus atores para criarem cenas improvisadas, que além de entreterem e propiciarem momentos de grande descontração para o público, abordam temas através da leveza da comédia que se apresentam como questões pertinentes aos nossos tempos atuais.


MEIADUZIA. Espetáculo: “Caimán” 
Long Form

Uma pianista em cena e dois improvisadores atores/instrumentistas. Assim, havia um piano na parte esquerda do palco e um saxofone e um violão do lado direito com duas cadeiras e vários panos de diferentes cores encima das cadeiras. Roupa social preta. O espetáculo começa com música tocada ao vivo por todas/os do palco.dm um momento os improvisadores/atores soltam os instrumentos e avançam para a plateia observando-nos. Fixam o olhar em alguém e lhe “roubam”, espelham os trejeitos. Se inspiram por algum besto, olhar, sorriso, que seja. Um de cada vez faz uma cena que apresenta, constrói a plataforma de uma personagem. Repetem a observação do público e o “roubo”, a captura inspiradora de gestos. Novas duas personagens que também são apresentados de forma intercalada. A partir daí as histórias se desenrolam de maneira que as personagens se encontrem e as histórias se entrelacem. A música é elemento participante tanto quanto ambiente quanto contraponto sonoro.


Sinopse (cedida pelo grupo): "Caimán" em português significa jacaré. E é o primeiro espetáculo apresentado pelo meiaduzia. O formato que une música e improvisação teatral foi criado pelo grupo peruano "Di que sí" e adquiriu uma fisionomia particular pelas mãos dos atores brasileiros. O espetáculo tem como motor espectadores que inspiram os atores, começando por monólogos criados na hora. A ideia do espetáculo é justamente essa captura, tal qual um jacaré que espera para atacar.


17/11/2018 (sábado)

Já estou em Lisboa novamente. Mas os grupos cederam algumas informações sobre o espetáculos, comportadinho cá!

IMPROMÉDIA. Espetáculo: “Impromédia”
Short Form 

Sinopse (cedida pelo grupo):
IMPROMÉDIA é um espetáculo onde tudo é feito na hora com a ajuda da plateia, através de temas sugeridos no exato momento em que a apresentação se desenvolve. O roteiro proposto é estruturado em jogos de improviso que são realizados de forma dinâmica e descontraída. O improviso e a sugestão de um tema livre são as únicas ferramentas para a elaboração das cenas que se diversificam espontaneamente com a interação do público presente.  Esta é a única regra válida no início de cada apresentação. Os temas, personagens e todo o desenrolar que irá acontecer no palco é decidido espontaneamente através da participação ativa dos espectadores e das situações inusitadas que surgem partir deste enredo. A mediação é feita por três atores em cena.

COLETIVO DE IMPROVISADORES ANÔNIMOS. Espetáculo: “O Monstro”
Long Form

Sinopse (cedida pelo grupo):
“O Monstro”. Espetáculo de Improvisação teatral do Coletivo Improvisadores Anônimos, em que uma situação limite traz à tona uma série de memórias, que pesam no momento em que o protagonista precisa decidir o seu destino. O formato utiliza elementos do teatro Playback e explora um universo onírico e de realismo mágico.

18/11/2018 (domingo)

Continuo em Lisboa. A apresentação do último dia de Festival contou com os grupos IMPRUDENTES e TEATRO DO NADA.

!MPRUDENTES. Espetáculo: “Impropose”
Short Form



Sinopse (cedida pelo grupo):
Uma pose, infinitas possibilidades. Neste espetáculo de improvisação idealizado pelos !MPRUDENTES, tudo começa a partir de uma pose. E o público é incentivado a propôr o que aquelas poses efetivamente representam, gerando quatro cenas.


TEATRO DO NADA. Espetáculo: “Rio de Histórias”
Long Form

Sinopse (cedida pelo grupo):
Último espetáculo da Cia Teatro do Nada, estreado em 2016, ‘Rio de Histórias’ é um formato próprio de improvisação criado pelo grupo, tendo como tema central a cidade do Rio de Janeiro. Inspirados pelo universo carioca, os atores criam cenas, histórias e diálogos que só no Rio seriam possíveis. Um long form carioca que, ao falar de sua aldeia, se torna universal. O público participa gravando depoimentos em áudio sobre a cidade minutos antes da apresentação e o material é depois usado como inspiração para as histórias criadas em cena.


Observação: nem todos os grupos conseguiram me enviar as sinopses dos espetáculos, mas dá para encontrá-los pela internet ou pelos palcos do Rio. Siga sua curiosidade, tanto em assistir aos que ficaram no mistério... quanto para confirmar se o que está escrito aqui dos outros grupos procede, hehehehe.


Para informações do Circuito !mpro:
SITE: www.circuitoimpro.com.br
INSTAGRAM: @circuitoimpro 


***

Em geral, dos três dias que assisti, percebi uma preocupação dos grupos à encenação e utilização de elementos cênicos concretos. Escolha de figurino, uso de adereços, etc. Tanto para long form quanto para o short form. Um lugar de escolhas de como se apresentar ao público, uma proposta inicial visível que se transforma. Como se criar/formar imagens, figuras. Um trabalho do elementos teatralizados, no sentido de usar a teatralidade do evento.

Essa “preocupação” é um movimento bem interessante e que me instiga em um lugar de escolha, em outro lugar num olhar mais prático e técnico, e num diálogo com elementos da encenação.

Em relação a escolha do uso de elementos e objetos concretos: como percebemos o diálogo com a mímica? Cenas por exemplo em que temos copos imaginários, mas garrafas reais. Não vejo isso como uma problemática, mas acredito que é um questionamento intensificador das propostas Cênicas e da relação com os objetos e até mesmo da qualidade de movimento e gesto trabalhadas. Levanto a bola sem resposta mesmo, mas par que a questão não passe despercebida e seja uma escolha, que se escute como proposta e se desenvolva ainda mais possibilidades a partir da consciência disso.

Em relação ao uso prático e técnico de elementos concretos: pensar estes elementos no espaço. Como se apresentam, onde se distribuem e como são usados na relação espacial. O de as “coisas” estão e como as uso no espaço. Aparecem todas desde o início? Estão escondidas? Todas de um lado do palco? Distribuídas? Para pegar estes objetos, como eu atravesso o espaço? Quando em cena e me vem a ideia ou vontade de usar um dos elementos, como eu o faço: saio de cena e pego, ou pego em cena, ou quebro a cena e pego, etc.? Acredito que se um ponto de vista que pode evitar uma “sujeira” de elementos não desejada em cena e um diálogo estético mais envolvente com o público.

Quanto ao diálogo com elementos da encenação, destaco aqui principalmente a comunicação com a luz. Muitas vezes (e falo nomeante de forma geral) havia o gesto de dirigir a luz, de pedir o Blackout. É um gesto de direção. E meio que mais do mesmo da minha observação anterior, provoco (me provocando imensamente neste, porque é a minha pesquisa atual) como esta direção se desenvolve em cada espetáculo. O fato de já termos códigos de comunicação estabelecidos na Impro (tag out, sweep, etc.) os torna conexos com qualquer espetáculo de Impro? A qualidade desta comunicação: como se dá? A qualidade deste gesto que por ser um caminho rápido pode ser displicente, imperceptível, assumido, etc... Ponho um pezinho aqui também no questão tônus corporal que pode se perder no automatismo (e falar de automatismo na Impro é de extrema importância).

E estas questões me fazem cada vez mais feliz de evidenciar, ao menos em mim, o quanto às especificidades da Impro são bem teatrais. Estas são perguntas quanto à cena, qualquer cena, qualquer Direção. E que talvez um trabalho de olhar de direção deva entrar cada vez mais no nosso treinamento também, para que, enquanto criamos e justificamos a criação enquanto se cria, se visualize as direções e movimentos cênicos apontados como narrativa, estética e linguagem de espetáculo. 

Indagações e reflexões estas que me vieram do que assisti e das cervejas pós apresentações ao conversar com os grupos. Troca.

Cabe dizer que enquanto acontecia o Circuito !mpro também acontecia o Campeonato de Improvisação, promovida pela Cia de Teatro Contemporâneo. Havia um certo choque de horário, mas algo que também possibilitará assistir uma arte de um evento e a segunda parte do outro. E havia comunicação entre as Produções, de forma que muita gente que se apresentava no campeonato também se apresentava no Circuito no mesmo dia. Eu não consegui ir ao campeonato porque estava a colher entrevistas para o documentário... que vai sair gente, mas demora mesmo... agora faltam só 5 entrevistas par finalizar a coleta.

Mas as entrevistas também me renderam participar da aula de Long Form do Cláudio Amado no domingo de manhã. Praticar um pouquinho, trocar com novas pessoas e aprender justamente pela troca.

Nesta caminhada de fortalecer a Impro, tanto para o público mas na sua feitura mesmo, os festivais são peça chave. É triste não conseguirmos ainda manter a frequência destas iniciativas como o FIMPRO, o Improvisorama, ou até o Festival universitário de Impro que aconteceu no ano passado. Festivais universitários são caldeirões de artistas.

Por isso, incentivos governamentais à festivais (e isso não quer dizer só financiamento não, mas abertura de agenda de divulgação, comparecimento de elementos do poder político no eventos para troca, para conversa, para escuta!!!!!, sessão de espaços de apresentação, contatos com embaixadas e acordos de intercâmbio cultural, etc.) são de suma importância para a continuidade e desenvolvimento de ações artísticas e culturais tão ricas e necessárias à formação artística e de público. Digo isso: Vida longa ao Circuito !mpro. Que a corrente elétrica se mantenha e se propague. Que as/os improvisadoras/es percebam essa contribuição ao seu patrimônio formativo e se envolvem inclusive na produção também. Na parte pesada que é fazer bilheteria, afinar luz, passar som, limpar a sala, o banheiro, comprar talão de ingresso, fazer carimbo, discutir arte gráfico, fazer orçamento, conseguir apoio, pauta, imprimir material na gráfica, transportar material, chegar mais cedo, assessoria de imprensa, colocar o telefone para jogo, fotografar, divulgar nas redes sociais o de todas/os, fazer clippagem, organizar grade de apresentações. Não falo isso num lugar de puxão de orelha ou reclamação, até porque, quem sou eu para reclamar, principalmente com o carinho que fui recebida. Mas talvez seja desse carinho que eu fale. De querer ter feito mais por quem está a fazer tanto. Eu falo da percepção da palavra envolvimento. Alguém podia chegar mais cedo e estar disponível porque é do seu interesse que as coisas deem certo. Alguém podia se oferecer para realizar uma função. E aí eu lembro da minha mãe: “Você é alguém”. Puta responsabilidade ser alguém. Isso é envolvimento. Isso é poder, do tipo possibilidade e do tipo força. Isso é política e democracia de base. Só pense na força desse envolvimento? Véiiiiiii! Aí “circuito” não vai ser só um nome muito legal para um festival. 

E, obviamente: vá à festivais, participe de festivais, assista à festivais: na sua cidade, no resto do país e fora também. É bem possível, juro. Festejemos a troca! O berço do teatro ocidental p, pela influência inegável da Grécia Clássica, se credita às festividades à Dionísio, Deus do vinho e do teatro.  É na festa que Dionísio nos atira ao desconhecido em nós e nós mudamos o mundo. Ao menos os nossos.


segunda-feira, 5 de novembro de 2018

A ORIGEM DO MEDO

A origem do medo... 

Neste Halloween estive em cena com o grude Improviso Sem Rede, Portugal, com o espetáculo “A Origem do Medo”. Apresentamos na Quinta da Ribafria, lugar que eu pessoalmente não ando sozinha nem para ir ao banheiro/casa de banho. Não me leve a mal, é lindo... mas eu preciso de gente comigo.
Aliás cada vez mais, ninguém solta a mão de ninguém.


Quinta da Ribafria. Foto: Sandra Cruz

Espetáculo de Terror de Improviso!
Como estrutura do espetáculo sob direção de André Sobral (😁👍), partimos de crimes reais e da premissa da natureza dos monstros bem (des)humanos. A primeira versão do espetáculo apresentada em outro ano tinha como mote a criação da história da origem de um monstro clássico a la Drácula. Desta vez partiu-se daquelas histórias que assustam por serem de verdade.

Em cena eu, André Sobral, Paulo Cintrão e Ricardo Karitsis. Cada um/a de nós escolheu 2 crimes reais para estudar e só divulgou para as/os demais do elenco a manchete. Ex.: “A menina que matou os pais”.


Da direita para a esquerda: Paulo Cintrão, eu (Luana Proença), André Sobral e Ricardo Karitsis. 
Foto: Zeca Carvalho

O público então chegava a Quinta da Ribafria e votava em qual manchete seria a inspiração da história a ser improvisada. Votava colocando flores nos cestos referentes a cada manchete à luz de lanternas.

Nós do elenco éramos avisadas/os da escolha do público, e depois de um ritual de início de espetáculo do grupo em roda, nos posicionávamos para iniciar. A pessoa que sabia da história era a responsável por abrir o espetáculo contando o ato criminal em si, mas sem revelar as causas e acontecimentos que levaram ao ato. Ora pois! Isto seria improvisado.

O que havia mais definido? 

Mulher só faz personagem mulher e homens, homens. Uma perspectiva mais realista para não provocar risada por caricatura. Para compor as personagens podíamos usar como inspiração os sete pecados capitais.

A condução de espaços e deslocamento de público, assim como início e fim de cenas, era realizado pelo ascender e apagar de luzes. A pessoa de nós que puxava a história para outro espaço (a cada momento poderia ser alguém diferente) ia ascendendo os interruptores por onde passava até o espaço desejado, enquanto a última pessoa de nós que se posicionava também por último junto ao público, apagava as luzes deixadas no caminho. Quase como migalhas de pão em João e Maria.

Cabe lembrar que eu super me perdi nos corredores na primeira vez que treinamos o espetáculo... ok, sou eu, isso não seria novidade, mas é muito corredor. E sim, aranhas... sim, eu chorei.

Foi definido também que a última cena aconteceria no espaço da Biblioteca e seria a cena do crime ou prévia deste, pois já nos havia sido contado de início o que acontecia depois. A biblioteca era o espaço onde caberia o público inteiro confortavelmente e tinha acesso direto à saída, além de outros 2 ou três quartos na parte superior. Como final e “agradecimento” nos posicionávamos na escada onde cenas/fotos reais das histórias eram projetadas sobre nós e a parede. Usamos então fatos reais para criar uma ficção que depois era lembrada que foi criada a partir de uma atrocidade real. Que uma pessoa foi capaz de fato de realizar tal ato. 
Aqui me remete ao tipo de estrutura que trabalha a partir da memória: “se teatro fosse um verbo, seria o verbo lembrar” (parafraseando por memória Anne Bogart em “A preparação do diretor”). Uma visita a um continente de memória, de manter viva a história, para que a história não se repita (por isso que Museu queimado é um ato de assassinato, esquecer a história promove terreno fecundo para a repetição... ditadura, sucumbir ao fascismo...). Não repetir a história era o meu mantra antes do público entrar, de mãos dadas com o Cintrão no escuro (medo da porra de ficar sozinha) eu repetia: “Que aprendemos a não repetir a história”. O que, numa perspectiva outra deste argumento, em improviso, é um tanto impossível. 

Esse trabalho de edição de imagens para o final foi realizado pelo nosso técnico, Pedro Caseiro, sem que nós tivéssemos acesso prévio. Ele também “dimerizou” as luzes de alguns ambientes, trabalhou cores do espaço e além disso a sonorização que era constante e estabelecia uma atmosfera para a tensão proposta em um espetáculo de terror. A produção (Sandra Cruz com o apoio da Catarina Ramos) cuidou ainda do cheiro de incenso que eu identificaria como defumador, meio de igreja fechada. Sinestesia que também começava com uma sangria e comes na salas de fora onde se votava a história. Figurino preto que não nos distanciasse da realidade do público para que assim nos misturássemos de certa forma ao grupo itinerante. Maquiagem ressaltando levemente a ossatura do rostos e profundidade dos olhos, o que nós distanciava-se na outra forma da plateia.

No mais, que improvisássemos a história tendo em vista um percurso não muito cansativo ao público, pensar a construção de plataforma, etc. Improviso: espontaneidade consciente.

Fizemos duas sessões, uma às 22h e outra à meia noite. 

Dentre as escolhas nossas na estrutura alguns pontos que me interessam pessoalmente foram discutidos, entre eles:

A necessidade de dizer, ou até de provar, que o espetáculo é de improviso. Este questionamento veio porque seria também uma possibilidade muito plausível de dúvida do público. Poderia-se pensar que que nós tivéssemos ensaiado 8 histórias ao invés de improvisa-las.
Dizer e evidenciar o improviso traz uma grande cumplicidade com o público. Isso é extremamente poderoso. É a comprovação que aquele fenômeno é único. Isso nos faz dar importância, nos sentirmos importantes. Ao mesmo tempo que traz certas condescendências que uma relação cúmplice traz. Mas, ao meu ver, qualquer forma o teatro é assim: como público, se aceita que um helicóptero em cena seja apenas um som que vem dos bastidores: sabe-se que não há nada lá além de caixa de som e permitimos que assim o seja aceitando a sugestão. Percebem, é sempre o jogo do improviso, da aceitação a partir do público (por isso acredito tanto no treino de Impro para qualquer linguagem teatral. O público joga o jogo da impro conosco). Também qualquer fenômeno teatral, mesmo que minuciosamente ensaiado e marcados, é único e as pessoas são importantes por demais. Mas voltando à improvisação como linguagem: as criações, conexões e sensações ganham uma potência a mais na relação de cumplicidade pois não foram “testadas”. É um tanto a alimentação do mito da genialidade e do talento (porque o  treino não é levado em conta nesses julgamentos). E justamente por essa graça (e não necessariamente comédia), quando algo dá “errado” ou não é tão bom quanto queríamos, há uma certa condescendência do tipo: “ah... mas é que foi improviso!”. Não é sempre assim, não é mesmo, mas essa atmosfera permeia e é sempre uma possibilidade. E me perturba, porque por uma perspectiva a Impro deixa de ser linguagem e forma de arte para virar “desculpa”. Volto a dizer que esses pensamentos todos vieram diante do espetáculo por conta da estrutura de escolha de histórias que colocaria em dúvida se era improvisado ou não. Não é uma reflexão sobre algo que aconteceu. Eu particularmente, não me importo com a dúvida, e até gosto que ela exista. Digo isso entendendo muito bem a potência da declaração: “Isto é improvisado” tanto quanto a desvantagem da conotação “de improviso” no i popular. É nesta conotação que se encontra a minha origem do medo ao qualificar um Espetáculo de Impro. O que fazer diante disso: treinar! Que nunca me deixem “passar” na qualidade por ser improviso.

E jogo então a provocação a qualquer espetáculo de Impro: quando é necessário afirmar que é Impro? Em que estrutura? E por que? E também: por que não afirmar? Temos por aí vários exemplos, como os improvisadores estadunidenses T.J. Jagodowski e David Pasquesi que não “pedem” sugestões ao público...

Acredito que para cada espetáculo a resposta venha a ser diferente, mesmo sendo sempre Impro.


E seguimos, o caminho, umas/uns às/aos outras/os, nós perdemos, encontramos algo novo, retomamos a estrada. Sinceridade como guia. Expondo os medos, entendendo suas origens, encontrando possibilidades outras, num salto Sem Rede, mas sempre de mãos dadas. Ninguém solta a mão de ninguém.